sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Na precariedade de sua carne

Gravado em tinta fosca no dia 20/01/2010 por Alysson Amorim

A boa difusão de uma mensagem requer arautos fiéis aos seus termos. A difusão de uma mensagem específica, a do evangelho, sempre exigiu mais. O ato de disseminar o evangelho em nada se compara ao árduo labor de copistas medievais, dobrados com fidelidade canina aos seus manuscritos; não se trata, em termos menos sinuosos, de ser fiel à letra, ao que foi gravado acerca das boas novas em tinta prudentemente estável.

O que perdemos de vista foi o escândalo da encarnação e o que dele decorre: o evangelho só pode avançar pela mesma via ardente em que trafega o sangue humano. O reino, que está potencialmente entre nós, é instaurado pelo afeto, não pela pregação expositiva; pela compaixão, não pela defesa ensandecida de sublimados sistemas.

Desbastando os helenismos que foram se acumulando em camadas rígidas sobre o evento encarnacional, chegaremos ao elementar princípio de que não fomos comissionados ao patronato de ideias abstratas; é dizer, não nos foi dada carta branca para amalhoar todas as culturas nas cercanias de nossos castelos conceituais.

Ninguém pode, com o plano de salvação no bolso do casaco, fazer o evangelho avançar meia légua que seja, pela boa razão de que plano de salvação, assim universalmente estabelecido, é delirante ilusão e doce segurança contra as exigências vertiginosas da contingência e da liberdade. É o já denunciado devaneio de que a salvação virá pela difusão das crenças corretas.

Não é demasiado lembrar que o Filho do Homem tecia para cada circunstância um gesto próprio, que de ninguém se aproximava com planos inflexíveis e respostas prontas, e que chavões não frequentavam sua boca indomável. Antes, acercava-se da gente com penetrante respeito e assombro, como quem se aproxima de universos ainda indevassados.

Em seu exemplo apreendemos que a mensagem do evangelho é de tal natureza que para ser expandida depende fundamentalmente não de nossa voz e de nossa lógica, mas de nossa coragem e de nosso sangue. Não depende tanto de uma especial aptidão em expor conceitos, suplica antes a disposição em sentar-se generosamente com adúlteras e banquetear sem recato com publicanos.

Ao arauto cumpre abandonar as solenes proclamações e tornar-se, na precariedade de sua carne, a própria mensagem.


* Fonte: Blog Amarelo Fosco.

www.amarelofosco.com



terça-feira, 1 de junho de 2010

LIÇÃO 4 - SER IGREJA NA PÓS-MODERNIDADE: UM DESAFIO À COMUNHÃO


1.Texto Bíblico Básico: Romanos 12:9-21.
2. Para Memorizar: “Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal.” (Rom. 12.10)
3. Objetivo: Compreender comunhão como o modo de realização da missão da igreja.
Introdução
Numa sociedade em que impera o egoísmo e a competitividade por causa do consumo, a tendência é que cada vez mais pessoas se fechem para a o outro, relativisando sua presença, negando o princípio básico de realização do humano enquanto pessoa revelado no N.T, seja, o coletivo. Cada vez mais afeiçoados aos relacionamentos digitais, virtuais, pessoas se distanciam, com a falsa idéia, talvez inconsciente, de que se esta encurtando o espaço.
O contato físico, a proximidade, a conversa à mesa, tão essencial à comunhão e ao desenvolvimento dos laços fraternos ensinados e vividos por Jesus e seus discípulos, são, nesse contexto, impraticáveis, pois exigem algo que o Mestre de Nazaré enfatizou até seus últimos momentos no Getsêmani, gostar e precisar de gente por perto (Mt 26.38; Mc 14.34).
O amor é o alicerce da comunhão, e amor é cultivado pela presença e contato com o outro, com o semelhante. A igreja enfrenta nesse contexto o desafio de não se perder como comunidade, de não se tornar lugar onde é cada um por si.

Na pós-modernidade a igreja tem diante de si a difícil tarefa de cumprir com as palavras de Jesus: “Nisto conhecereis todos que sois meus discípulos: e tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13.35). Amamos através da vida comunitária e nos identificarmos uns com os outros não como indivíduos isolados que se encontram semanalmente para buscar interesses próprios, mas como comunidade que vive um para o outro, e encontra nesse outro motivo para se entregar no serviço (Fp 1.23-26).

Podemos pensar em algumas ênfases na comunhão que podem nos ajudar a cumprir com a vontade de Deus para sua igreja, ao mesmo tempo em que, firmado essas ênfases, podemos seguir nas pegadas de Jesus, que andou na contramão de um sistema que insistentemente negava o semelhante pela via do individualismo.
Podemos, a partir daqui, relacionar e fazer um contraste entre a forma como as pessoas se relacionam na pós-modernidade e o ensino das Escrituras sobre como cultivar os relacionamentos de acordo com a vontade de Deus.
  • Relacionamentos superficiais. Na pós-modernidade os relacionamentos são superficiais, distantes, o contato é evitado - um dos veículos que se presta a aumentar essa distância é a internet. Agravado pela competitividade do mercado que faz com que cada um busque seus próprios interesses - daí o individualismo, como já apontamos anteriormente -, quando absorvido pela igreja, tal comportamento, deforma sua missão, e produz indiferença entre os semelhantes, contrapondo com a vontade de Cristo de que todos sejam um assim como ele é com o Pai (Jo 17.21).
  • Relacionamentos profundos. Jesus nos dá um exemplo sem forçar o ensino, apenas andando, ensinando, comendo junto, se alegrando, se entristecendo, e amando como seus amigos, doze homens diferentes entre si, em todos os sentidos.
    O ministério de Jesus é o exemplo mais vivido, se quisermos chamar de padrão a ser imitado, de como devemos agir e reagir às pessoas. Jesus agia e reagia sempre na ótica da compaixão (Mt 9.36; Mt 14.14; Mt 15.32; Mt 18.27; Mc 1.41; Mc 15.19).
  • Relacionamentos com base em grupos privados (panelinha). “Meus irmãos, não tenhais a fé em nosso Senhor Jesus Cristo...em acepção de pessoas” (Tg 2.1). Embora nos tempos da igreja primitiva muitos já eram seletivos em suas amizades dentro da própria igreja, em nosso tempo ser seletivo formando grupos privados é ainda mais agravante, pois como vimos, há uma forte tendência, mais que em outras épocas, à que os indivíduos se isolem, que, em meios urbanos como o nosso tornam-se prezas fáceis à depressão.

Em lugar buscar o interesses comuns de “suportarmos uns aos outros” (Cl 3.13), cada um passa a buscar aquilo que é de seu próprio interesse, resumindo seu convívio à algum grupo que também seja seletivo em sua comunhão

O apóstolo Paulo parece estar corrigindo esse tipo de comportamento na igreja de Corinto: “Cada um de vós dizem: Eu sou de Paulo, e eu, de Apolo, e eu, de Cefas, e eu de Cristo” (1Cor 1.12).

  • Relacionamentos que não cultivam interesses privados. O apóstolo Paulo em duas ocasiões fala sobre termos como fonte do nosso cuidado e preocupação o outro, colocando sempre esse outro como o centro da nossa atenção e cuidado (1 Co 10.24; FP 2.4).

Para o apóstolo Paulo a vida do outro me diz respeito, tanto que meus interesses devem ser secundários, enquanto que o interesse do outro é que deve ser buscado. O próprio Jesus viveu uma vida voltada sempre para o outro, seu projeto de vida é um projeto de entrega total aos semelhantes, a ponto de dar por estes suas carne e seu sangue.

Nenhum ser humano é uma ilha, escreve John Donne num de seus mais famosos poemas. Jesus sabia disso, tanto que na sua hora mais difícil (Getsêmani) pediu aos amigos que lhe fizessem compania. Ninguém resiste sozinho aos baques da vida, ainda mais quando assume um propostas de vida tão radical como é o Evangelho.

O Evangelho é um chamado à cumprirmos juntos esse projeto de vida chamado cruz de Cristo. Projeto que, embora assumido individualmente, pois cada um deve decidir por si, só pode ser concretizado na comunhão com os santos, que também abraçaram a mesma proposta do Mestre.

domingo, 2 de maio de 2010

LIÇÃO 3 - A IGREJA E SEUS ENFRENTAMENTOS NA PÓS-MODERNIDADE: HEDONISMO


Hedonismo: Doutrina moral que considera ser o prazer a finalidade da vida. O termo hedonismo deriva de uma palavra grega que significa prazer.

1.Texto Bíblico Básico: Fl 4:8-13 e II Co12:7-10.
2. Para Memorizar: “buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6.33).
3. Objetivo: Entender o que significa o hedonismo, onde podemos localizá-lo e como reagirmos a esse comportamento, de acordo com as Escrituras.
Introdução
A necessidade mais básica do ser humano é a felicidade. A busca pela felicidade é o que faz uma pessoa querer se realizar profissionalmente, fazer amigos, casar, ter filhos, torcer por determinado time (MENGÃO), tirar férias, viajar, etc. Até aí nada de mais, ou seja, a felicidade ligada a satisfação dos sentidos e da realização pessoal na vida, não significam necessariamente pecado ou desagrado a Deus, o sábio Salomão já falava sobre como bem desfrutar dos prazeres da vida.
O problema é quando essa busca pela felicidade se resume a satisfação de um prazer desenfreado, sem responsabilidade, consumista, em que, o deleite gratuito é tido como o significado e finalidade da vida.


O HEDONISMO LIGADO A IDEIA DE PROSPERIDADE


Na pós-modernidade a perda do senso de cuidado coletivo aliado ao individualismo gerou no meio evangélico-protestante uma tendência teológica que chamamos de teologia da prosperidade. A teologia da prosperidade em resumo atiça nos fiéis a busca pelo prazer imediato essencialmente através do consumo, alguns ambientes religiosos estimulam até mesmo a ganância em seus seguidores.


Nesse ambiente Deus é primeiramente convertido em um servo que está a serviço dos fiéis, que por sua vez justificam pedidos egoístas, para a satisfação pessoal, pela simples razão de serem obedientes em suas ofertas, atitude sem qualquer conexão com a felicidade apresentada nas Escrituras.

O CONTEÚDO DOS NOSSOS PEDIDOS


O livro de Tiago nos ensina sobre o que, como e porque pedimos muitas coisas a Deus, e explica que há problemas quanto ao conteúdo dos nossos pedidos e sua real motivação. Uma vez que a mentalidade do mundo (sistema sócio-econômico e cultural) é de que a felicidade se realiza através do consumo podemos cair no engano de que Deus tem por obrigação de nos dar aquilo que achamos necessário, mas que na realidade é fruto do desejo de querer ser mais que o outro ou de possuir aquilo que o outro possui.


1. A cobiça dita as regras de comportamento entre as pessoas. Tiago fala de guerras e contendas entre as pessoas que são impulsionadas pelos prazeres que guerreiam no íntimo do próprio indivíduo (Tg 4.1).


2. A cobiça serve de impedimento para que a pessoa ignore aquilo de que realmente precisa. “Cobiçais e nada tendes...”, escreve Tiago (Tg 4.2). Na sociedade pós-moderna o apelo ao prazer faz com que as pessoas consumam aquilo de que não necessitam. A cobiça lava a pessoa a gastar com algo que não é essencial pra manutenção da vida, enquanto que suas necessidades básicas são deixadas para segundo plano, por isso Tiago diz que por serem cobiçosos eles nada têm.


3. A cobiça leva os seres humanos a matar, invejar e viver em guerra com seus semelhantes. Ainda no versículo 2 do capitulo 4, Tiago escreve sobre o modo que seus leitores viviam e que isso os impedia de viver uma vida de comunhão plena, não reconhecendo o outro como um semelhante que merecia cuidado e dedicação.


4. A motivação da oração faz com que o conteúdo dos pedidos sejam maus. Jesus ensinou que o que deve ser buscado em primeiro lugar é o Reino de Deus e a sua justiça (Mt 6.33), e que para quem agisse dessa forma o básico para vida Deus cuidaria. O que não significa que a mesa seria sempre farta, pois, como aconteceu na própria caminhada de Jesus o alimento poderia ser escasso (Lc 6.1), Paulo também teve experiência nisso (Fp 4.12).


É interessante notar que Jesus sempre atendia às necessidades básicas das pessoas, ele restaurava a vida para que pessoa pudesse se realizar como humano. Hoje podemos notar pedidos estranhos no meio do povo evangélico, junto com testemunhos ainda mais esquisitos de gente que se diz agraciada por Deus até com carro zero. Antes de levantarmos a questão, se Deus dá ou não dá certas coisas aos fiéis, é importante olharmos o conteúdo das orações de Jesus, Paulo, e de outros homens da Bíblia para ver se encontramos legitimidade para certos pedidos. A partir de uma análise do conteúdo das orações de alguns homens da Bíblia e da realidade dos nossos semelhantes, é que podemos responder, referenciados pela ética do Reino, se é legítimo pedir certas coisas a Deus.


5. Por influência do individualismo os pedidos feitos nas orações são para a satisfação própria e não para o benefício coletivo. Na pós-modernidade indivíduos que se colocam no centro de todas as suas motivações, ou seja, tudo o que fazem é pensando exclusivamente em sua realização pessoal, acabam gerando desigualdades sociais, além de produzir gente alienada da realidade dura e hostil da maioria das pessoas, principalmente em países com altos índices de desigualdade em todas as dimensões da vida. Se lermos o final do versículo 2 do capítulo 4 de Tiago, de forma isolada teremos a idéia de que Tiago está dizendo que eles nada tem simplesmente por não pedirem, no entanto, todo o contexto do capítulo 4 aponta para a motivação dos pedidos, que de acordo com o que pedem não recebem, pois, suas motivações são os prazeres egoístas (Tg 4.3).


6. Se render ao individualismo produz cobiça e indiferença em relação à coletividade, sendo isso amizade com o mundo e inimizade com Deus. Não é difícil perceber que na pós-modernidade o individualismo aliado à perda do senso de coletividade, seja, de que somos dependentes uns dos outros, é um gerador de desigualdades que sequer levamos em conta e que produz o que chamamos de pecado estrutural - mais evidente por meio da estratificação social que muitas vezes até mesmo nós que somos igreja aprendemos a conviver passivamente e a se conformar.


Existem até explicações teológicas para tapar os olhos de muitos fiéis ao pecado estrutural; vontade de Deus, maldição hereditária, pecado não confessado, Deus querendo dar uma lição, etc. Para Tiago ser cobiçoso, individualista, invejoso etc., é selar amizade com o mundo (sistema sócio-econômico e cultural), e que, quem age assim constitui-se inimigo de Deus (Tg 4.4), pois a cobiça denuncia o individualismo da pessoa, que de acordo com o começo do capítulo 4 gera guerras, mortes e indiferença.

PRINCÍPIOS A SEREM CULTIVADOS PARA NÃO NOS TORNARMOS HEDONISTAS
  • Dedicar ao Reino nossa maior atenção (Mt 6.33)

  • Viver uma vida de negação diária de si mesmo (Mt 16.24; Mc 8.34; Lc 9.23; Rm 6.6)

  • Ter o mesmo sentimento de humildade que houve em Cristo (Fp 2.5-8)

  • Viver e praticar a unidade cristã (At 2. 42.47; 4.32-35)

  • Colocar o outro como o centrodo nosso cuidado (Fp 2.3-4)

  • Rever constantemente o conteúdo das nossas orações e pedidos a Deus (Mt 6.9-13; Lc 11.2-4; Tg 4.2-3)

Conhecer a estrutura que nos envolve é fundamental para que não sejamos engolidos por ela. Mais fundamental ainda é conhecer as Escrituras e o que elas nos ensinam sobre como reagir às propostas de estilo de vida que nos desumanizam, desumanizam o próximo e ferem o coração de Deus. Contra o hedonismo cada vez mais crescente - infelizmente no meio evangélico -, a prática comunitária do amor fundamentado no caráter da missão de Cristo é a única saída para a igreja que deseja ser sal da terra e luz mundo.



Buscar o Reino de Deus é nossa meta, vivenciá-lo entre os homens, nosso desejo mais profundo.


sábado, 27 de março de 2010

LIÇÃO 2 - PÓS-MODERNIDADE: QUANDO COMEÇA E O QUE SIGNIFICA



Pós-modernidade é a condição sócio-cultural e estética (relacionada a imagem) do capitalismo contemporâneo, também chamado de pós-industrial ou financeiro. Embora tenha se tornado corrente, o uso do termo ainda gera controvérsias quanto ao significado. Tais controvérsias talvez sejam devido a dificuldade de se examinarem processos em curso com suficiente distanciamento e, principalmente, de se perceber com clareza os limites ou os sinais de ruptura nesses processos, ou seja, oo período de transição da modernidade para a pós-modernidade.

De acordo com filósofo francês Jean-François Lyotard, um dos primeiros a usar o termo, a "condição pós-moderna" caracteriza-se pelo fim das metanarrativas[1]. Os grandes esquemas de explicação da realidade teriam caído em descrédito e não haveria mais "garantias", sendo que devido ao avanço no conhecimento nem mesmo a "ciência" já não poderia ser considerada como a fonte da verdade.

Nem todos são unanimes na utilização do termo e preferem usar outra expressão. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, atualmente prefere usar a expressão "modernidade líquida" - uma realidade ambígua, multiforme, na qual, como na clássica expressão marxiana, tudo o que é sólido se desmancha no ar (título do excelente livro de Marshall Berman)
Por considerar não ter havido de fato uma ruptura com os tempos modernos - como o prefixo "pós" dá a entender, o filósofo francês Gilles Lipovetsky prefere o termo "hiper-modernidade".

De acordo com Lipovetsky, os tempos atuais são "modernos", com o super aumento de certas características das sociedades modernas, tais como o individualismo, o consumismo, o hedonismo, a fragmentação do tempo e do espaço.

A partir da segunda metade do século XX iniciou-se um processo sem precedentes de mudanças na história do pensamento e da técnica. Junto com a aceleração avassaladora nas tecnologias de comunicação, das artes, de materiais e de genética, ocorreram também mudanças nos padrões e nos modos de se pensar a sociedade e suas instituições, com isso começa a se firmar uma nova identidade cultural.

Existe uma grande dificuldade em estabelcer o exato momento de passagem do Moderno ao Pós-Moderno, sendo que uma das características da nossa era são as mudanças rápidas e vertiginosas que estão em curso. É mais ou menos aquela sensação que temos quando só percebemos que as crinaças cresceram quando pegamos um velho álbum de fotos e comparamos com os filhos crescidos, e aí dizemos: “ como estão diferentes, como cresceram, nem percebemos”.

Em função dessa dificuldade em determinar o momento de ruptura de uma cultura à outra, vamos enumerar alguns aspéctos e mudanças que talvez tornem mais claros uma distinção.

1. Com as duas grandes guerras (Primeira e Segunda) pensadores começam a questionar os modelos sociais e economicos. A segunda guerra estabelece um estágio inimaginável de destruição quando os EUA lançam sobre Nagazaki e Hiroschima duas bombas atômicas, que mataram juntas só no ato, cerca de 160.000 pessoas, dando início a chamada era atômica. O que vemos daí em diante é uma corriada armamentista sem prescedentes na história. Com isso o mundo passa a ser dividido em dois blocos o bloco capitalista e o bloco socialista[2]. Nesse período o Oriente Médio ainda não representava um bloco consolidado econômicamente, tampouco uma ameaça a paz mundial, pois ainda não estava sob o estigma do Ocidente que colocava o Oriente como o “eixo do mal”

2. Um novo padrão estético é estabelecido nas artes. Picasso, Braque, Giacometti, Du Buffet, são alguns dos nomes que junto com movimentos artísticos como o dadaísmo, o surrealismo, a pop-art americana, o abstracionismo[3], vão não só questionar antigos padrões artísticos, mas também ser uma representação do século XX, com todas as suas ambiguidades.






















Picasso, Demoiselle D'avignon
























Georges Braque, Violino e Candelabro
























Alberto Giacometti, A floresta

3. Os comportamentos morais são postos à prova. O movimento que chamamos de “liberalismo sexual”, a partir da década de sessenta é um dos principais fatores para que mais tarde o sexo livre seja aceito como válido simplesmente pela obtenção do prazer, sem compromisso com amor e casamento. Isso tem como consequencia um crescimento absurdo nas estatísticas de doenças sexualmente transmissíveis, entre elas a mais devastadoras de todas, a AIDS.


4. A pós-modernidade invadiu o cotidiano com a tecnologia eletrônica em massa, houve uma saturação de informações, diversões e serviços, a tecnologia passou a programar cada vez mais o dia-a-dia dos indivíduos. Em muitos lugares, por exemplo, quando o sinal da internet é interrompido ninguém trabalha, pois, a vida e o trabalho estão totalmente dependentes da tecnologia.

5. Na pós-modernidade os indivíduos são medidos de acordo com a capacidade de consumo, ao adotarem estilos de vida baseado no consumo personalizado (comprar e se vestir de acordo com a propaganda de mercado), usar bens e serviços e se entregarem ao presente (sem pensar no amanhã) e ao prazer.







6. A essência da pós-modernidade vem através das cópias e imagens de objetos reais, a reprodução técnica do real, significa apagar a diferença entre real e o imaginário, ser e aparência, ou seja, um real mais real e mais interessante que a própria realidade. Um exemplo disso é a televisão, que aliada ao computador simula um espaço hiper-real, espetacular que excita e alegra. O filósofo alemão Theodor Adorno anunciou nos anos 40 e 50, em tom profético, que a indústria do entretenimento estaria a serviço do capitalismo e da monopolização total da vida das pessoas, em que, até nos momentos de ócio o sujeito estaria sendo preparado para continuar consumindo produtos.

Se há um termo que podemos usar para classificar o século é “era da imagem”. Existe toda uma engenharia em torno da produção e consumo da imagem, sendo que vivemos em universo dominado pela mídia e propaganda massificadora, fato observado pelo já citado filósofo Adorno, que previu e desvendou que a mídia, numa sociedade de consumo, estaria a serviço do capitalismo selvagem, manipulando a mente das pessoas para que sejam meros consumidores, fazendo com que o indivíduo perca a própria identidade. Basta lembrar que hoje as pessoas são consideradas integradas numa sociedade à medida que são reconhecidas como consumidoras e as imagens são o principal veículo de excitação para o consumo. Segundo o especialista Leslie Savan:

Estudos estimam que, contando logotipos, rótulos e anúncios, cerca de 16 mil imagens comerciais se imprimem na consciência por dia. A publicidade hoje infesta todo e qualquer órgão da sociedade. Onde quer que a propaganda ponha o pé, ela aos poucos vai ingerindo tudo, como um vampiro ou um vírus. (Citado por Nicolau Sevcenko em A Corrida para o Século XXI. p. 124).

Alguns desses aspetos são suficientes para que possamos pintar um quadro do que está em curso no século XXI. Aqui tivemos uma introdução para o que vamos estudar a seguir. Teologia, sociologia, filosofia, ciência, ou qualquer outro campo do saber, é fruto do seu tempo e ao levantar questões busca também respostas dentro do seu tempo.


Somos filhos do século XX, influenciados consciente ou inconscientemente pelos acontecimentos e idéias do nosso tempo. O cristianismo é um chamado ao esclarecimento, portanto antes de ver maldição em todos os cantos da modernidade, temos de saber lidar em todo tempo com as mudanças, avanços e retrocessos de um mundo em mutação constante. Uma coisa imprescindível é seguir o conselho de Paulo que aconselha aos crentes de Tessalônica a examinar tudo e reter o que é bom, também para que se abstenham de toda forma de mal (1 Ts 5.21-22).


DICIONÁRIO

Ambiguidade, Qualidade do que é ambiguo; obscuridade; dúvida; incerteza.
Ambiguo, De mais de um sentido; equívoco; icerto; duvidoso; obscuro.
Estética, Filosofia das belas-artes: ciência que trata do belo, na natureza e na arte; beleza física.
Estigma, Cicatriz, marca, sinal.
Fragmentar, Quebrar, dividir, cortar, estilhaçar.
Hiper-real, O prefixo hiper em grego significa sobre, muito, mais, em alto grau, super. O hiper-real, aplicado a imagem seria algo que se apresenta como mais excitante que a própria realidade.
Massificação, Uniformização.

[1] Metanarrativas são sistemas teóricos que tantavam explicar e dar sentido ao agir humano, bem como estabelcer modelos sociais que norteassem o homem para a construção do futuro.

[2] É a chamada divisão bi-polar do mundo, em que os dois modelos econômicos e ideológicos vão predominar até o final dos anos 80. Duas grandes potências econômicas e militares encabeçam esta divisão do mundo no período, Estados Unidos o bloco capitalista e União Soviética o bloco socialista. Na Europa o Leste (Europa Oriental) é predominantemente socialista enquanto que o Oeste (Europa Ocidental) é capitalista. Na América do Norte Canadá e Estados Unidos dominam o cenário econômico capitalista. Tal divisão gerou ainda uma subdivisão que é a chamada “periferia do capitalismo internacional”, onde estão os excluídos como América Central e América do Sul, África, Oriente Médio e Mundo Indiano.


[3] O Dadaísmo é caracterizado pela oposição a qualquer tipo de equilíbrio, pela combinaçãopessimismo irônico e ingenuidade radical, pelo ceticismo absoluto e improvisação. Enfatizou o ilógico e o absurdo. Entretanto, apesar da aparente falta de sentido, o movimento protestava contra a loucura da guerra. Assim, sua principal estratégia era mesmo denunciar e escandalizar.






O Surrealismo foi um movimento artístico e literário surgido primeiramente em Paris dos anos 20, inserido no contexto das vanguardas que viriam a definir o modernismo, reunindo artistas anteriormente ligados ao Dadaísmo e posteriormente expandido para outros países. Fortemente influenciado pelas teorias psicanalíticas de Sigmund Freud (1856-1939), o surrealismo enfatiza o papel do inconsciente na atividade criativa. As características deste estilo: uma combinação do representativo, do abstrato, e do psicológico. Segundo os surrealistas, a arte deve se libertar das exigências da lógica e da razão e ir além da consciência cotidiana, expressando o inconsciente e os sonhos.

A Pop art surge com o objetivo da crítica irônica ao bombardeamento da sociedade capitalista pelos objetos de consumo da época, ela operava com signos estéticos de cores inusitadas massificados pela publicidade e pelo consumo, usando como materiais principais gesso, tinta acrílica, poliéster, látex, produtos com cores intensas, fluorescentes, brilhantes e vibrantes, reproduzindo objetos do cotidiano em tamanho consideravelmente grande, como de uma escala de cinquenta para um, transformando o real em hiper-real.




A arte abstrata ou abstracionismo é geralmente entendido como uma forma de arte (especialmente nas artes visuais) que não representa objetos próprios da nossa realidade concreta exterior. Ao invés disso, usa as relações formais entre cores, linhas e superfícies para compor a realidade da obra, de uma maneira "não representacional". Surge a partir das experiências das vanguardas européias, que recusam a herança renascentista das academias de arte.


O abstracionismo lírico ou abstracionismo expressivo inspirava-se no instinto, no inconsciente e na intuição para construir uma arte imaginária ligada a uma "necessidade interior".











Dúvidas: betesdauira@gmail.com

segunda-feira, 1 de março de 2010

LIÇÃO 1 - MODERNIDADE: AVANÇOS E RETROCESSOS


Texto: Rm 13.11-14

Para trabalhar: “Não tenho maior alegria do que esta, a de ouvir que meus filhos andam na verdade” (3 Jo 4)

Objetivo: Tornar a igreja esclarecida e levá-la a refletir sobre sua responsabilidade no tempo atual.

Introdução: O que é modernidade?

A história é dividida, pelo historiador tradicional, e assim aprendemos na escola, em períodos que também podem ser fases do desenvolvimento mental e técnico do homem cujos sinais podem ser notados nas edificações - científicas, políticas, econômicas, religiosas, culturais -, que o passado distante e mesmo recente nos deixou. Embora não haja unanimidade entre historiadores que divergem quanto à classificação de período e fase desse desenvolvimento, via de regra podemos fazer uma leitura, ao menos superficial desses períodos, classificando-os de forma didática para um melhor entendimento.

A modernidade é comumente aceita como o período de saída da Idade Média quando o homem começa a se libertar das formas rudimentares em que concebia seu modelo de mundo. Tradicionalmente a Idade Média Ocidental se situa entre o período que vai da queda do Império Romano do Ocidente (com capital em Roma), em 476, até a queda do Império Romano do Oriente ou Império Bizantino (com capital em Constantinopla), em 1453.


A primeira fase desse período, chamada Alta Idade Média (séc. V a X) é caracterizada principalmente pelo sistema econômico feudal em que dominam as relações servis de produção, onde o senhor é proprietário da terra e o servo depende dele devendo cumprir integralmente as obrigações servis[1], tanto na prestação de serviços gratuitos quanto na entrega de parte da sua produção.


A segunda fase, chamada Baixa Idade Média (séc. X a XV), foi o período em que a Europa passou por uma série de modificações econômicas, políticas, sociais e culturais, o que deu início ao processo de desintegração do sistema feudal, possibilitando o desenvolvimento do capitalismo comercial, sendo este um dos principais fatores que marcam o início da Idade Moderna.


Renascimento

A Renascença ou Renascimento como é mais comum ser chamado, é o momento histórico em que se organiza e começa a se formar a nova identidade do homem europeu. O termo Renascimento se deve as descobertas, na filosofia, dos escritos de Aristóteles e nas artes, de um retorno à estética greco-romana, principalmente a estatuária. Tomás de Aquino o grande teólogo da igreja na época, que é bom lembrar, viveu entre 1225-1274, quer dizer, bem antes da Reforma, foi um dos que elaboraram seu sistema teológico baseado nos escritos de Aristóteles. Os irmãos Van Eyck, Grunhewald, Bruguel, Bosch, Da Vinci, Botticelli, Rafael, Michelangelo, Dürer, El Greco, Holbein, Granach, Bramante, Cervantes, Tomas Morus, Shakespeare, Camões, Gil Vicente e outros, são nomes que se destacaram nas artes, letras e arquitetura do Renascimento.


Iluminismo




A partir da Renascença surge também o movimento denominado Iluminismo, que grosso modo é uma extensão das idéias renascentistas. Os filósofos iluministas assim se autodenominavam por que diziam que o que o homem europeu vivera até então era uma “idade das trevas” e que com eles se iniciava uma nova era no pensamento humano, a “era da luz”, que em outras palavras é o mesmo que dizer “era do esclarecimento”, ou, iluminismo. Nesse período pensadores como Descartes (Penso logo Existo, ideias inatas), John Locke (o homem ao nascer é uma tabula rasa), Francis Bacon, Tomas Hobbes (O homem é o lobo do homem, todos os direitos cedidos ao Estado em que o rei despótico garantiria a segurança da nação), Voltaire, Rousseau, e outros dominaram o pensamento, influenciando na política e consequentemente nos modos e relacionamentos sociais.

Com a modernidade houve tanto benefícios quanto malefícios cabe a nós lidar e identificar onde se situam e o que representam:

Benefícios:

A Reforma Protestante, que só pode acontecer devido ao momento propício para que houvesse o protesto. Todas as mudanças que estavam ocorrendo na mentalidade do homem europeu serviram de incentivo para que se pensasse fora daquela concepção religiosa fechada.

O entendimento dos mecanismos que regem o mundo natural. Com isso o homem pode também se libertar de antigos mitos que o assombravam, entendendo que havia eventos na natureza que não estavam ligados a ira divina, e sim, que faziam parte de um processo natural - natural no sentido de que havia uma ordem estabelecida regida por leis fixas.

O avanço no campo científico, principalmente na medicina.

Saída do antigo modo de vida feudal. Dominados exclusivamente pelos senhores donos dos feudos e da vida dos camponeses.

A noção de que se habitava num universo aberto, portanto, onde cada um poderia trabalhar seu próprio futuro tendo possibilidades de realização, não estando amarrado a um destino fixado em um universo fechado e limitado. Em outras palavras, o homem começava a ter a noção de que seu futuro não está determinado nem prefixado.



Malefícios:

A perda de referência moral. Quando se viu totalmente livre, o homem não soube o que fazer com sua liberdade. Enquanto estava preso a uma idéia religiosa de mundo, agia pensando na recompensa. No entanto ao se ver livre resolveu questionar também os padrões morais, já que todos estavam, na idéia religiosa de mundo, vinculados a Deus.

O modo de produção capitalista produziu uma sociedade cada vez mais estratificada onde o pobre ficava cada vez mais pobre e o rico cada vez mais rico. No sistema capitalista o trabalhador perde sua identidade, se torna um subproduto do produto, movimento observado por Marx.

Decadência ética. A corrida pela obtenção e manutenção do capital desembocou num estado de egoísmo e individualismo, em que cada um se preocupa com o seu, e quem puder tirar mais lucro e se afirma no mercado. Lucro obtido exclusivamente às custas dos pobres assalariados.

Modernidade e um novo modo de se relacionar com o tempo



Todo um novo modo de vida se instala na Europa, e um ponto que é de suma importância é o tratamento que o tempo passa a ter no começo da era moderna. Quando alcança um estágio técnico novo o homem tem a noção de que conquistou o tempo. Até então o ritmo da vida era marcado pelo nascer e por do sol. Os relógios começam a interpretar a marcha do tempo, em plena expansão urbana as cidades começam a levar uma vida regulada. Como conseqüência implantaram-se hábitos de ordem e organização do tempo. Quando passa a ser contado o tempo ganha um valor, parece que o ditado “tempo é dinheiro” é mais antigo do que imaginamos. Na Itália a partir do século XIV o dia foi dividido em 24 horas e as horas divididas em intervalos regulares de 60 minutos. Em 1335 o primeiro relógio que dava horas iguais está instalado na igreja de São Gotardo, em Milão. A partir de então relógios públicos se espalham pela Europa, e regulam o ritmo de vida no mundo capitalista, com isso a eternidade deixa de ser o ponto de convergência dos homens, que agora estão debaixo de uma outra regularidade, a do mercado.

O apóstolo Paulo no ensina que a liberdade traz consigo responsabilidade, e que em todo tempo mudanças requerem de nós uma postura crítica e tomada de decisões fundamentadas numa consciência limpa diante de Deus (1 Co 6.12)

Agora pensemos um pouco mais sobre algumas questões mais específicas, sendo que uma análise muito abrangente ocuparia muito do nosso tempo. Mudanças em todas as dimensões da vida ocorreram a partir das novas possibilidades que o modernidade oferecia, eis algumas:


1. Mudanças no campo da religião

Mesmo que muito do que se diga sobre a Idade Média quanto ao obscurantismo mental em que viviam seja uma crítica muito parcial dos iluministas, é fato que no campo religioso havia muita superstição e medo no imaginário do homem nesse período. Fortemente dominado pelo clero que se apresentava como legítimo representante de Deus na terra, a igreja (antes do protesto) mantinha o povo debaixo de um servilismo, fazendo do medo seu principal expediente.

De maioria analfabeta e sem acesso as Escrituras a plebe tinha os papas como mediadores entre eles e Deus, e assim, ditavam o ritmo da vida de acordo com interesses econômicos e políticos de manutenção de poder bem definidos. Assim, esses que não tinham acesso as Escrituras viviam a mercê de uma religião opressora, num universo fechado em que, o que ocorria, desde uma chuva que devastava plantações a doenças que varriam um continente, tudo estava debaixo da vontade divina, sendo estas algumas das muitas formas de manifestar seu desagrado com o homem. O clero se utilizava muito desse recurso para manter as pessoas debaixo de um rígido controle mental. Sobre isso a Escritura diz: Jo 8.32,36; Gl 5.13.

Os avanços da ciência possibilitaram o entendimento das leis que regiam o universo. Foi possível constatar que existiam leis fixas, e que a natureza obedecia a essas leis tendo seus ciclos naturais. Assim, onde a religião via uma articulação divina, a ciência desvendava um processo natural. O que em longo prazo ocasionou por parte de muitos em descrédito à religião.

O problema central dessa mudança religiosa que na Europa gerou o deísmo, que também no período do Iluminismo deu origem as primeiras manifestações públicas de ateísmo, se deve ao fato de que muitos não encontraram mais um lugar para Deus no mundo. Uma vez que, na Idade Média pensavam viver debaixo de uma supervisão divina tipo “pente-fino”, quando a ciência disse que não era assim, o Deus em que criam perdeu espaço e não se achava mais lugar para ele no mundo.

O que se percebe é que a relação do fiel com Deus na Idade Média era pragmática (de resultados), e Deus era à semelhança de um senhor feudal dono dos destinos dos súditos. Assim, o fiel tinha em Deus um “tapa-buracos” da existência, um “Deus-das-brechas”, como vai chamar Bonhoeffer teólogo alemão que vai identificar o mesmo comportamento em muitos cristãos na década de trinta e quarenta no século XX.
O povo de Israel viveu quarenta anos no deserto clamando por um Deus “tapa-buracos”, e quando algo lhes faltava imediatamente reclamavam e diziam preferir viver como escravos em volta das panelas do Egito, do que ser livres e encarar as surpresas da existência.

Se o lugar de Deus em nossas vidas se reduz a um mero protetor dos acidentes ou regulador dos eventos da natureza, acabamos por conceber um Deus que só nos interessa pelo que pode fazer em nosso favor, ou seja, um Deus age para nós, e não um Deus que age em nós e através de nós. Tal atitude pode nos transformar em pessoas individualistas e egoístas achando que Deus tem mais olhos para uns que para outros.

2. Mudanças no campo das relações sociais

Como podemos perceber os novos modos de consumo produziram tipos de relacionamentos em que interesses econômicos regiam os modos de comportamento das pessoas. A partir da expansão dos modos de produção capitalista o indivíduo, assim como aconteceu no campo religioso, passou a se preocupar consigo mesmo e com a manutenção de seus bens. A exploração da força de trabalho no período de expansão e afirmação do capitalismo, quando o trabalhador já não era dono nem das próprias ferramentas, era toda para um único fim, o bem estar econômico dos patrões. Com a revolução industrial ocorrida por volta de 1750, a exploração da força de trabalho chega a níveis desumanos, nesse contexto toda a noção de cuidado coletivo se despedaça. Ao mesmo tempo em que se afirma como indivíduo, o homem por ganância, perde a noção de dependência coletiva em igualdade.

O apóstolo Paulo escreve (Fp 2.1-4). O princípio básico de convivência são as relações de igualdade em que considero o outro superior a mim no cuidado, princípio adotado pela igreja primitiva em que o lucro de um era redistribuído em igualdade com os outros para que não tivessem falta de nada (At 2.42-47; 4.32-37; 2Co 8-9).

3. Mudanças no campo dos conceitos de verdade

Como foi dito no tópico 1, quando o homem sentiu-se liberto dos medos e mitos em relação a Deus que o assombravam, questionou também os padrões de verdade em que havia sido doutrinado até então. Para o homem desse período, uma vez livre da antiga visão de mundo onde tudo se explicava teologicamente, os padrões de verdade também foram questionados, pois, se estavam vinculados a Deus, e uma vez que a nova identidade religiosa do homem europeu aos poucos estava banindo Deus para a periferia da vida, as verdades passaram a ser relativas.

Se o próprio Deus estava sendo submetido a um criterioso exame científico porque não fazer o mesmo com os conceitos de verdade que Dele emanavam? Descartes por exemplo antes de chegar a seu famoso “penso logo existo” duvidou de tudo e submeteu toda e qualquer questão ao crivo da razão. Alguns vêem aí o germe do relativismo que no final do século XIX e começo do XX tomou conta do pensamento ocidental. Embora muito antes Sócrates tenha trabalhado com os mesmo métodos de Descartes, é com o filósofo francês e seus seguidores que o relativismo ganha um caráter mais sofisticado. No século XIX chega ao clímax a discussão sobre o conceito de verdade firmado em Deus. Em uma Europa cada vez mais atéia o escritor russo Fiódor Dostoievski expressa em seu grande romance os irmãos Karamazov o que ocorria nos círculos intelectuais da época quando coloca na boca do personagem Ivan a famosa frase: “Se Deus não existe tudo é permitido”.


CONCLUSÃO

Em todo tempo Deus espera que o Reino que está dentro de nós seja manifesto, não importando o sistema de pensamento dominante, ou quão opressor seja o regime social, cultural ou religioso em vigor. Sempre temos a possibilidade de ir além, e sempre podemos protestar para que a justiça do Reino se faça na terra, assim como fez Jesus.
A modernidade possibilitou uma série de benefícios assim como muitos malefícios, é bom que saibamos um pouco desse movimento em que estamos imersos para não nos deixarmos levar pelo fluxo que desumaniza e oprime as pessoas e também que não venhamos a ser nós mesmos roubados de nossa humanidade por um sistema inimigo da vida.

[1] Obrigações servis eram um conjunto de impostos e tributos que os servos deveriam pagar a seus senhores. O servos tinham que entregar a estes parte de sua produção agrícola (a talha). Eram obrigados também a trabalhar gratuitamente nas terras do senhor (corvéia) e não podiam se deslocar do feudo sem permissão. Além disso, deveriam pagar impostos indiretos ou adicionais, como as banalidade, pelo uso do forno e do moinho, e a mão-morta, paga quando um camponês sucedia a seu pai na posse do lote arrendado.



Betesda do Uirá, e-mail: betesdauira@gmail.com

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Quem somos



Somos a igreja de Cristo, e João escreve dizendo que só seremos conhecidos como seus discípulos se nos amarmos uns aos outros (Jo 13.34-35).

E a verdade é que precisamos uns dos outros para crescer. Talvez pareça mais fácil ser um bom crente quando estivermos sozinhos e não houver ninguém para desafiar-nos, mas isto não é verdade, porque a maturidade vem através dos altos e baixos nos nossos relacionamentos.

A situação existencial do crente e a sua maneira de se relacionar com o seu irmão não comportam violência, nem arrogância, nem presunção, nem vanglória e intolerância, mas, precisa estar em evidência na sua vida os frutos do Espírito Santo.

Todos nós precisamos muitas vezes de consolo, encorajamento, aconselhamento e orações uns dos outros.

Louvo a Deus por pertencer a uma igreja que entende e pratica essas verdades, louvo a Deus pela comunidade espiritual do Jardim Uirá.

Que o Senhor nos abençoe nesta nossa caminhada.


Pr. Antonio e família.